terça-feira, 30 de março de 2010

DO LUTO À LUTA

DO LUTO À LUTA - SÍNDROME DE DOWN

Em Do Luto à Luta, Evaldo Mocarzel usou parte da sua experiência familiar (ele é pai de Joana Mocarzel, a Clara da novela Páginas da Vida) para enfocar a inserção social e cultural dos portadores da Síndrome de Down. O filme é corajoso e comovente, tem uma qualidade incomum: o viés pessoal não se sobrepõe ao enfoque objetivo do tema, mas o informa e autoriza. Assim, Mocarzel equaciona melhor do que nunca sua participação dentro do filme.

É um filme de família, em muitos sentidos. Reunidos diante da câmera, pais e filhos relatam histórias de rejeição, superação e amor incondicional. O drama que às vezes se passa dentro do quadro seria inapreensível por qualquer filme de ficção.
Sempre disposto a um exercício de metalinguagem documental, a certa altura o diretor entrega seus meios de produção a um jovem casal portador de Down para que eles roteirizem, filmem e editem um pequeno filme-dentro-do-filme. 

O filme passou num canal desses da tv por assinatura e por sorte eu acabei passando pelo canal e assistindo um pouco do filme. Fiquei emocionada em várias cenas, com os depoimentos dos jovens portadores da síndrome, dos pais e dos amigos. Pra explicar o meu interesse e envolvimento com o tema do filme, preciso revelar que tenho um tio portador da síndrome de down, Aquilles, o nosso Quilinho, que completou no dia 08/03 seus 62 anos de idade. Aliás, valendo do sentido da palavra down . . . de down ele nunca teve nada, sempre foi UP,  muito ativo, dinâmico, criativo, alegre e alto astral.

Pra mim e pra minha família, meu tio é a eterna criança, o eterno jovem, o eterno menino. Cresci brincando com ele, dançando, cantando, soltando pipas, disputando mergulhos na piscina e tentando ser sua professora, querendo ensiná-lo a ler e escrever. Na ocasião de seu nascimento, meus avós não gozavam de boa situação financeira, o que lhes impediu de buscar melhores condições para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, além do que, na época não haviam muitas instituições e profissionais com tal especialização. Mesmo assim meu tio teve um bom desenvolvimento da linguagem e das funções motoras, sempre foi muito independente . É muito falante, se comunica muito bem, entende perfeitamente tudo que ouve e vê e elabora o pensamento. Escrever e ler ficou no mundo imaginário, mas ele sempre acreditou no que escrevia e lia pra gente como sendo real e compreensivo, afinal, papai noel sempre recebeu suas cartas e lhe trouxe os presentes certinhos.

Uma das coisas que acredito ter contribuido muito para o seu desenvolvimento psicomotor e cognitivo foi o fato dele ter trabalhado na linha de produção da fábrica de bebidas da minha família. Era o funcionário que tinha a melhor performance, o melhor ritmo e manuseava as máquinas e as garrafas com uma sincronia de dar inveja a qualquer um. Empilhava as garrafas na máquina giratória para a limpeza, depois passava as mesmas garrafas para a máquina de encher, depois pra máquina de rótulos e finalmente pra máquina que fechava a garrafa com as chapinhas ou rolhas. Ele nunca perdia o ritmo, era como se dançasse diante das máquinas e as garrafas fossem suas bailarinas, era ele quem as conduzia pelo salão. Eu queria imitá-lo, mas confesso que nunca consegui fazer o que ele fazia com aquelas garrafas e máquinas. Era o mais disciplinado funcionário, só faltava se estivesse doente e mesmo assim reclamava de não poder ir ao trabalho.

Suas paixões e seus prazeres sempre foram os mais simples, as novelas, filmes, a hora de comer, seu aniversário, as datas comemorativas - festa junina, natal, ano novo e carnaval, roupa nova, a família reunida, dar e receber carinho dos sobrinhos e irmãos, nadar e mergulhar na piscina de nossa casa de veraneio.

Sempre que a família aumentava e nascia mais um sobrinho ele queria apadrinhar e tomar conta, oficialmente ele não batizou ninguém, mas todos nós nos sentimos um pouco afilhados dele, não só pelo carinho e cuidado, mas porque ele era o melhor tio dentre  todos, afinal era criança como a gente. Nos fazia acreditar que seríamos eternas crianças, assim como ele.

Ele é muito amado por todos nós, sempre foi tratado com muito amor e carinho. É adotado por todos que frequentam a nossa família, exatamente por seu brilho pessoal, pela sua própria conquista, por ser realmente um ser especial. Acredito em anjos e ele é pra mim o anjo guardião da nossa família. Um amor, uma ingenuidade de encantar, um ser humano quase em extinção pela sua bondade, um coração rico de bons sentimentos, o beijo e o abraço mais terno e puro que já experimentei. No seu abraço sinto a presença de Deus, como se a divindade, se assim posso chamar, estivesse ali materializada.

 Esse post é uma pequena homenagem ao meu tio e a todos os portadores de SD, por serem todos criaturas especiais, capazes de transformar todos a sua volta, principalmente os membros de sua família. Eles nos ensinam sobre a pureza, a bondade, a ingenuidade, o amor, a simplicidade, a entrega, a felicidade e principalmente sobre as relações de afeto - eles nascem com a trissomia do cromossomo 21, geneticamente eles se dividem em 3 .... Pai, Filho e Espirito Santo.

Meu tio é a pessoa mais incrivel, mais carinhosa, mais humana e gentil que tive o prazer de conhecer e conviver. Hoje, devido a sua idade está com suas funções psicomotoras limitadas, apresenta quadro de Alzheimer e já não reconhece mais a sua prole de sobrinhos que tanto lhe adoram, mesmo assim continua nos beijando e transmitindo amor no seu olhar.

2 comentários:

  1. Anônimo30/3/10

    que lindo, meu amor.
    Delícia de homenagem. Muito emocionante mesmo!
    O filme é lindo e Quilinho um anjo de verdade.
    Bjs bjs bjs.
    Muita saudade.

    ResponderExcluir
  2. Syl..entre abraços abertos e corações abertos cada dia posso descobrir a grande mulher que você é.

    ResponderExcluir